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A espiral das abelhas mortas

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Espirais com abelhas mortas. Divulgação: Sarah Hatton

Via Conexão Planeta
Por Karen Monteiro

 

O avião, quem sabe um Sêneca, voa na altura ideal para aspergir de maneira prática e calculada a quantidade necessária de pesticida na plantação. A cinco, dez metros de altura, voando a 25 km/h, estão as concorrentes aladas, em seu voo bem, bem mais lento e não tão alto.

Estudiosos tinham dificuldade para entender o mecanismo de voo de criaturas com asas tão pequenas. Descobriram que asa rígida na frente e mais flexível e dobrável na parte traseira, possibilita vencer a resistência do ar. Isso naquele ritmo que a natureza deu a elas. Normal é que voltem (ou tentem voltar) para casa numa velocidade ainda menor. Quem sabe atinjam uns 15 km/h no retorno. Não é necessariamente cansaço. Estão com mais bagagem. É que encontram uma minúscula partícula… Mais outra… Pólen pesa e diminui o ritmo do voo. Mas não seria para parar por completo. Não deveriam cair, assim, em queda livre, inertes, paralisadas. Mas não resistem ao neonicotinoide.

O veneno está impregnado por toda parte: na raiz, no caule, nas folhas, flores e pólen. Impregnou-se também de forma fatal nelas, nas abelhas. E elas perderam o rumo, tornaram-se inábeis para encontrar o caminho da colmeia. Acabaram caindo derrotadas. Muitas foram parar vertiginosamente na obra da canadense Sarah Hatton.

Cheias de neurotoxinas, encerraram-se num alerta geométrico. Tétrico. Não. O que acontece não é ilusão de ótica. Não pode ser encoberto pela nuvem publicitária da Bayer, Syngenta e Monsanto, que aplicam mais de 100 milhões de dólares e empregam táticas parecidas às utilizadas durante décadas pela indústria do cigarro para negar os efeitos nocivos do produto à saúde.

As abelhas mortas que Sarah coletou depois de um incêndio nas colmeias são organizadas em padrões simbolicamente ligados à monocultura. A produção de alimentos deve diminuir mais e mais porque as polinizadoras estão morrendo. Quem sabe a linguagem do prejuízo em função da queda do lucro com a safra possa sensibilizar os agricultores para mudar os hábitos de aplicação de agrotóxicos.

Surgiu uma campanha “Sem Abelha, sem alimento”, que tem um filme publicitário com o mesmo nome. Foi produzido para o Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura da Universidade Federal Rural do Semiárido, Mossoró, Rio Grande do Norte (Cetapis/UFERSA) e ganhou reconhecimento no Festival Internacional de Criatividade do Cannes Lions. É bom assistir. É bom se preocupar. É bom imitar as abelhas… Nem sou eu quem diz:

“Devemos imitar as abelhas e conservar em compartimentos separados tudo o que colhemos em nossas diversas leituras, porque a coisa conservada separadamente dura mais. Então, empregando com diligência todos os recursos de nosso talento inato, devemos misturar todos os vários néctares que provamos e transformá-los em uma única substância doce, de tal forma que, mesmo que seja visível de onde se originou, pareça bem diferente do que era em seu estado original”. Um voo poético de Sêneca, o filósofo do império romano.

Imagino um mergulho de cabeça numa espiral Fibonacci, aquela encontrada no girassol. Entre o micro e o macro das galáxias a repetição de formas, o jogo inteligente e proporcional do universo. Esse balanço ótico tonto que a gente sente quando olha para os quadros em geometria morta de Sarah falam da perda de direção das abelhas. Levam direto para um túnel de um tempo dessa nossa terra sem dó, em que vale a lei do mais forte.

Enfraquecimento meu, seu, nosso, deles. E eles mal percebem o tiro no pé. Bala que resvala em filho, neto, bisneto. Um teto… Mal-assombrado. Ameaçado.

Veja os espirais de Sarah Hatton feito com as abelhas mortas:

 

Iasmim Amiden

Jornalista e Coordenadora do Programa Oásis da Ecoa.

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