///

Avanço do agronegócio no Matopiba puxa devastação do cerrado

6 minutos de leitura
Colheita de soja no Mato Grosso. Foto: Marcelo Justo/Folhapress

Fala­-se muito em Amazônia, mas a vegetação nativa mais ameaçada pela expansão do agronegócio no país, hoje, é o cerrado. A fronteira agrícola mais agressiva está no Matopiba, onde o desmatamento cresceu 61,6%.

O avanço da soja, do milho e do algodão nos Estados da região (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), entre 2000 e 2007, se fazia à taxa de 1.114 km² por ano. No período seguinte, de 2007 a 2014, ela subiu para 1.800 km²/ano (área 20% maior que a do município de São Paulo).

É bem diversa a dinâmica nos outros oito Estados com áreas de cerrado (DF, GO, MG, MS, MT, PR, RO e SP). Nos primeiros sete anos, a agricultura tomou 931 km² anuais da savana brasileira, ante 333 km²/ano nos outros sete, uma queda de 64,2% na taxa de devastação.

Os dados constam do relatório “Análise Geoespacial da Dinâmica das Culturas Anuais no Bioma Cerrado“, obtido pela Folha. O levantamento foi realizado pela empresa Agrosatélite, formada por ex­-pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

A análise é baseada em imagens de satélite coletadas nas safras 2000, 2007 e 2014.

A gente quer que o agronegócio discuta esses dados com os preservacionistas“, afirma Bernardo Rudorff, coordenador do estudo. “Faz sentido uma moratória no cerrado?”.

LEIA MAIS
Águas que nascem no Cerrado abastecem a maior parte do país
Espécies de cerrado com potencial para recuperação de áreas degradadas por mineração
Os animais da Tanguro, Mato Grosso: diversidade na zona de transição entre a Floresta Amazônica e o Cerrado
 
Foto: Gustavo Stephan / O Globo
Foto: Gustavo Stephan / O Globo

O pesquisador se refere a uma das hipóteses que o trabalho abordou –se estaria ocorrendo um “vazamento” do desmate para o cerrado a partir da Amazônia, onde vigora uma restrição para a venda de soja produzida em áreas devastadas depois de 2007. Dos 30 mil km² plantados com soja na região após a moratória, só 500 km² foram em áreas novas.

A resposta de Rudorff sobre a hipótese de vazamento é curta: “Não”.

Ele pondera que, embora tenha decrescido a taxa de desmatamento na fronteira agrícola mais tradicional do cerrado, grosso modo o Centro­-Oeste, entre os dois períodos –pré e pós ­moratória–, a expansão da área cultivada com grãos cresceu, passando de 4.243 km²/ano para 7.304 km²/ano (avanço de 72%).

A razão desse aparente paradoxo é que, na fronteira mais estabelecida, a agricultura passa a ocupar áreas abertas anteriormente para a pecuária, atividade menos rentável. No Matopiba ocorre o inverso: com muitas terras baratas, soja, milho e algodão avançam sobre áreas de vegetação nativa.

É prudente ressalvar que só 171,4 mil km² de savana foram perdidos no Matopiba, considerando todos os usos da terra (grãos, pastagens, cana etc.). Em contraste, outros 713,6 mil km² sumiram noutras partes do cerrado.

O estudo também mapeou as áreas mais aptas a dar bom rendimento para essas culturas em toda a área de cerrado, com base em dados de precipitação, temperatura, relevo e altitude. Descobriu-se que há pelo menos 200 mil km² –território do tamanho do Paraná– de terras desmatadas e com aptidão agrícola.

“No Matopiba, o estoque de terras abertas com aptidão é baixo, portanto a expansão continuará ocorrendo sobre vegetação nativa, devido ao baixo preço de terras, caso não sejam criadas novas restrições de contenção do desmatamento”, avalia Rudorff.

“Já nos outros Estados do cerrado, o estoque de terras abertas é grande e a soja vai poder continuar se expandindo com a intensificação da pecuária, que vai liberar terras aptas para agricultura.”

Apesar do risco de devastação continuada, o cerrado não teve meta específica de redução do desmatamento incluída no compromisso do governo brasileiro para a Conferência do Clima em Paris. Só se fala de Amazônia.

Além disso, as áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) somam apenas 8,2% no cerrado, diante de 43,9% na Amazônia, como assinalou em artigo recente Mercedes Bustamante: “É estarrecedor que esforços de igual magnitude não estejam em curso para conservação e gestão da savana mais biodiversa do planeta”, escreveu a pesquisadora da UnB.

 Fonte: Marcelo Leite – Folha de São Paulo

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog