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Fazenda mantém dois drenos no Banhado do Prata

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Drenagem de banhados da Serra da Bodoquena põem em risco destino muldialmente premiado de ecoturismo. (Foto: Fabio Pellegrini)

Fabio Pellegrini e Eduardo Pegurier/O Eco

Alterações no fluxo de água de banhados podem afetar rios até sua foz. (Foto: Fábio Pellegrini)
Alterações no fluxo de água de banhados podem afetar rios até sua foz. (Foto: Fábio Pellegrini)

A reportagem de ((o)) eco localizou dois canais de drenagem em áreas adjacentes ao Banhado do Rio da Prata, no município de Bonito, em Mato Grosso do Sul. Pesquisadores consideram os banhados ecossistemas frágeis, fundamentais para a regulação do fluxo e da limpidez dos rios e base de cadeias alimentares. Segundo o proprietário da fazenda em que ficam esses canais, eles estão dentro das leis ambientais. O Imasul, órgão ambiental estadual, foi procurado para esclarecer sobre a legalidade dos canais, mas não deu resposta até hoje (30), fechamento deste texto.

O Banhado do Rio da Prata está localizado nas cabeceiras do Rio da Prata, a sudeste do fragmento sul do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Da sua área total de 11.208 hectares, parte fica no município de Jardim (7.935 ha) e parte no município de Bonito (3.273 ha).

É uma das áreas que a Prefeitura de Bonito pretende transformar em unidades de conservação (UCs), iniciativa paralisada por força de um mandado de segurança da parte do Sindicato Rural de Bonito. Quanto à área do banhado no município vizinho, a prefeitura de Jardim também iria realizar consulta pública para criação de uma UC, mas o Sindicato Rural de Jardim também interveio judicialmente.

O local dos dois canais de drenagem, ou drenos, é a Fazenda São Francisco, no município de Bonito, onde eles parecem cumprir a função de escoar para o banhado do Prata a sobrecarga de água e sedimentos oriundos de uma área de várzea transformada em lavoura.

Marcadores mostram pontos onde os dois drenos cruzam a estrada da fazenda, fazendo fluir a água da esquerda para a direita. A área de tons escuros da direita é parte do banhado em sua forma natural. (Imagem: Google Earth)
Marcadores mostram pontos onde os dois drenos cruzam a estrada da fazenda, fazendo fluir a água da esquerda para a direita. A área de tons escuros da direita é parte do banhado em sua forma natural. (Imagem: Google Earth)

Adolpho Mellão Cecchi, proprietário da fazenda, conversou com a reportagem de ((o))eco por telefone: “Esses drenos são antigos, já estavam lá desde quando comprei a fazenda”. Perguntado sobre a data da aquisição, Cecchi não quis informá-la.

“Tudo o que faço é dentro da lei. Tenho mais de 20% de área de mata preservada. Tenho Reserva Legal sobrando naquela fazenda. Sou um produtor, vivo disso. A declividade daquela área é pouca, parece uma mesa, corre água pra tudo o que é lado. Por causa disso, perdi de colher 250 hectares de soja esse ano porque a máquina [colheitadeira] não conseguiu chegar lá”, disse.

Quanto aos possíveis impactos causados pelos drenos às áreas de banhado, Cecchi afirmou: “Se eu achasse que os drenos prejudicassem não os teria feito em minha propriedade. Se no mundo todo não fazem mal, por que aqui iriam fazer? Os ecossistemas de Bonito podem agregar muito bem a agricultura, o turismo e a pecuária”.

A lavoura de soja é uma das que mais exige agrotóxicos, mas Cecchi não acredita que isso traga prejuízos ao Banhado do Prata. Ele diz que todo o manejo em suas terras é feito sob orientação de engenheiros agrônomos.

“O produtor rural evoluiu muito ao longo dos anos. Sei o quanto é difícil alimentar uma população que não para de crescer. Esse é o meu negócio. O alimento não nasce em supermercado, ele vem da terra, nós plantamos e produzimos o alimento”, diz Cecchi.

Para tentar obter os documentos de licenciamento ambiental da instalação dos dois canais de drenagem, a reportagem de ((o)) eco protocolou um pedido formal ao Imasul, por meio de ofício feito no dia 21 de março, e voltou a procurar o órgão por telefone nos dias 22, 23 e 29, mas não obteve resposta.

Limbo legal

Nos anos 1980, época da expansão das fronteiras agrícolas do Centro-Oeste brasileiro, a construção de canais de drenagem era incentivada por linhas de crédito oferecidas por bancos credenciados pelo Ministério de Agricultura. Tratava-se do Programa Nacional para Aproveitamento de Várzeas Irrigáveis – ProVárzeas Nacional, criado pelo governo federal.

A proposta da criação da Refúgio de Vida Selvagem do Banhado do Rio da Prata, iniciativa da Prefeitura de Bonito, protege apenas a área de banhado, sem atingir lavouras e pastagens das propriedades. (Fonte: Prefeitura de Bonito)
A proposta da criação da Refúgio de Vida Selvagem do Banhado do Rio da Prata, iniciativa da Prefeitura de Bonito, protege apenas a área de banhado, sem atingir lavouras e pastagens das propriedades. (Fonte: Prefeitura de Bonito)

Hoje, de acordo com o artigo 10 do novo Código Florestal (Lei 12.651 de 2012), os banhados se enquadram como áreas úmidas, denominadas no documento como “pantanais”. São Áreas de Uso Restrito (AUR) e nelas é permitida a exploração ecologicamente sustentável, devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, restringindo apenas desmates de vegetação nativa para uso alternativo do solo.

No âmbito da legislação estadual do Mato Grosso do Sul, a construção de drenos em áreas rurais é passível de licenciamento, sem especificações para o que se faz necessário para esse tipo de intervenção. O Imasul publicou em janeiro uma resolução que permite, de 14 de janeiro a 31 de março de 2016, a construção temporária de valas de drenagem para escoamento de água em áreas de plantios agrícolas no Estado, devido à grande precipitação que vinha prejudicando a colheita da safra.

Ecossistema frágil

Drenagem de banhados da Serra da Bodoquena põem em risco destino muldialmente premiado de ecoturismo. (Foto: Fabio Pellegrini)
Drenagem de banhados da Serra da Bodoquena põem em risco destino muldialmente premiado de ecoturismo. (Foto: Fabio Pellegrini)

Para Nicholas Kaminski, coordenador técnico da Fundação Neotrópica do Brasil, provavelmente há cerca de 30 anos, quando a região estava sendo adaptada para a agricultura, a área onde está a lavoura da fazenda São Francisco era mais úmida, parecida com a área natural remanescente do banhado.

“Com o passar do tempo, provavelmente canalizaram pequenos cursos d’água que haviam ali para mecanizarem a área e implantarem lavoura, pois é solo rico em matéria orgânica”, diz Kaminski.

Para José Sabino, biólogo e coordenador do projeto Peixes de Bonito, que estuda a ecologia e o comportamento de peixes da Serra da Bodoquena, os banhados são ecossistemas vitais para manutenção da biodiversidade ao longo do curso dos rios.

“Esses ambientes são áreas de alta produção primária, porque a lâmina d’água é muito pequena, então você tem muita exposição à luz, o que gera grande produção de microalgas e organismos da base de cadeias alimentares. Há peixes de pequeno porte, uma fabulosa diversidade de invertebrados que vive associada às plantas e ao leito desse tipo de ambiente, e todo esse conjunto fornece um aporte de energia. Do ponto de vista alimentar, os banhados são a base de grandes cadeias alimentares.”

Sabino descreve como o ciclo de chuvas regula a entrada e saída de água dos banhados e que, embora não tenham sido mensuradas consequências nas áreas em questão, o conhecimento científico sobre o assunto indica que os drenos devam causar impacto negativo:

“Drenando rapidamente a água, há o risco de secar e matar totalmente a várzea. Inundá-la excessivamente alteraria a lâmina d’água, diminuindo a penetração de luz e por consequência a fotossíntese. Por precaução, o correto seria manter a dinâmica natural dos sistemas, sem drenos que possam acelerar ou diminuir o fluxo, estando a montante ou a jusante do banhado”.

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