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O tempo passa, o tempo voa, mas parece que alguns engenheiros não aprendem o que é o Pantanal

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Alcides Faria

Quando os engenheiros da Noroeste do Brasil planejaram o trecho da ferrovia dentro do Pantanal não tomaram tento de que entravam em um outro universo. Com suas certezas matemáticas dos tempos de seca, construíram um aterro de 38 quilômetros entre o “talvegue do rio Paraguai” e as “encostas da Serra da Bodoquena”, sem passagens para as águas nas cheias e vazantes, o que resultou em uma grande barragem que, obviamente, foi derrubada na seguinte e inexorável grande cheia.

Corrigiram os erros construindo “quase vinte quilômetros de drenos e pontilhões e levantando o “grade …..sete metros acima do nível do rio”.

Esses são fatos da década de 40 do século passado, relatados por um jornal do dia 11 de março de 1.945 (abaixo) – como tenho uma foto do texto sem o nome do jornal, não posso identifica-lo – possivelmente o “O Estado de São Paulo” ou o “Jornal do Brasil”.

O tempo passa, o tempo voa, mas parece que alguns engenheiros não aprendem o que é o Pantanal.

É o que se pode deduzir das declarações recentes dos engenheiros da Universidade Federal do Paraná encarregados do novo projeto da Hidrovia Paraná Paraguai, pois determinados em propor intervenções no rio Paraguai e outros rios do Pantanal para conseguir uma navegação 24 horas por dia, os 365 dias por ano. Se para os engenheiros da Noroeste o danos vieram dos tempos de muita água, para estes os problemas provavelmente virão de tempos secos, quando terão que arrumar água para que suas barcaças naveguem pelo rio Paraguai ininterruptamente.

Roteiro da Noroeste.
11 de março de 1945.
Trecho.

“Para atravessar os primeiros 50 km, que correspondem mais ou menos ao pantanal de Porto Esperança, infelizmente numa prolongada estação de seca pouco comum, a diretoria técnica da construção do trecho julgou-se isenta de maiores responsabilidades, mandando construir o aterro do pantanal em condições tais que parecia então dever em qualquer época emergir e resistir suficientemente a qualquer inundação com a agravante de que não construiu os indispensáveis bueiros.

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A consequência desse otimismo foi que os 38 quilômetros de aterros da estrada, construído normalmente ao talvegue do rio Paraguai, desde o barranco do rio até a encosta da serra da Bodoquena, formou uma verdadeira barragem.

Leia mais: Hidrovia no Pantanal e as narrativas para vender o megaprojeto

Na seguinte estação das chuvas o Paraguai e seus grandes afluentes – S. Lourenço, Aquidauana e Miranda – transbordaram como de costume, alagando toda a baixada. Esta que aparentemente está em nível, tem entretanto uma insignificante inclinação para o sul, que corresponde ao curso do rio Paraguai.

As águas quase imperceptivelmente encaminharam-se para o sul, até encontrarem o aterro da estrada que – qual verdadeiro açude – fechava-lhes a passagem natural. Dias depois grande parte do aterro era carregada e o tráfego completamente paralisado.

A reconstituição desse trecho foi feita em uma altura insuficiente. Abriram-se bueiros, as águas puderam circular e não carregaram o aterro. Mas, a medida que a estrada avançava para Porto Esperança, na época das cheias subia o nível das águas . Mas quando a enchente era maior as composições eram obrigadas a parar em Aquidauana ou em Miranda usando menores. As pequenas eram resolvidas pelos engenheiros da Noroeste empurrando as composições de passageiros e cargas até onde fosse possível, até quando a água apagasse o fogo da caldeira da locomotiva.

Leia mais: Universidade Federal do Paraná e o destrutivo megaprojeto da Hidrovia no Pantanal

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Hoje, o viajante que percorra este trecho, verá que a Noroeste aprendeu 2 lições. Cerca de 10% da linha foi perfurado, de forma a dar passagem às águas, assim nas ocasiões das cheias como nas vazantes. A cada quilometro de aterro correspondem pontilhões de 100 metros, sob os quais é livre a circulação do liquido elemento . São assim quase vinte quilômetros de drenos e pontilhões. O “grade” foi levantado sete metros acima do nível do rio – máximo de altura já alcançada pelo rio Paraguai – de forma que já agora bem difícil será a interrupção do tráfego por motivo de cheia do pantanal de Miranda, mas aqui o problema é diferente e em poucos dias a vazante sobrevém, não dificultando senão parcialmente a circulação dos trens.”

Região atravessada pelos trilhos da ferrovia e a grande cheia de 2016. Foto Vanessa Spacki
Região atravessada pelos trilhos da ferrovia e a grande cheia de 2016.
Foto Vanessa Spacki

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